“Não há nenhuma experiência no mundo de saída da crise sem investimentos públicos”, observa Coutinho, para quem é indispensável a união das esquerdas em 2018 para enfrentar a ofensiva neoliberal.
CartaCapital: O senhor se surpreendeu com a condenação de Lula a nove anos e seis meses de prisão?
Ricardo Coutinho: Não, acredito que o ex-presidente já havia sido condenado. Minha expectativa, frustrada, era a da apresentação de provas. Não se viu isso, mas sim uma convicção que, penso eu, não deveria existir dentro do Estado de Direito.
CC: O senhor participou da reinauguração popular das obras de transposição do Rio São Francisco ao lado de Lula e Dilma. Pretende dividir o palanque com o ex-presidente em 2018?
RC: A reinauguração popular foi um ato de justiça. O ex-presidente Lula pagou 16% da obra do São Francisco, a Dilma pagou 70%, ou seja, 86% dela estava paga até abril de 2016. Agora, pagaram-se mais 10%. Ao mesmo tempo, Lula teve um papel importante ao ter a coragem de fazer [a transposição] e desfazer acertos políticos seculares que existiam e existem ainda, principalmente dentro do Semiárido nordestino.
Como governador, participei do ato oficial da chegada das águas com Michel Temer, mas me ressenti da ausência do povo e também da dureza de alguns discursos que ignoravam a história. Essa obra começa com Lula e Dilma.
CC: E quanto a 2018?
RC: Sobre 2018, não dá para se expressar por um único caminho, alijando possíveis apoiadores nesse processo. A correlação de forças está muito desigual. Então, é preciso conduzir isso com cuidado. Digo isso com relação ao PT e ao PDT de Ciro Gomes. As esquerdas precisam convergir por uma questão de sobrevivência, inteligência e compromisso com este País.
O Brasil está à deriva, sem qualquer debate consistente. Infelizmente, a maior parte do Congresso está dedicada à aprovação de reformas para atender interesses econômicos. Ao mesmo tempo, vendeu-se para o povo a ideia de que o País voltaria a crescer com o impeachment de Dilma.
O desemprego diminuiria, a corrupção seria debelada. Isso era uma profunda ilusão, um jogo de retórica para se tomar o poder, derrubando as regras do jogo democrático. O Brasil afundou-se ainda mais na crise. O desemprego atinge 14 milhões de trabalhadores.
CC: Dos milhões de empregos perdidos de 2014 para cá, dois terços concentram-se no Nordeste. Por que a região tem sido mais impactada?
RC: O Nordeste foi a região que mais se desenvolveu nos últimos anos, palco de grandes projetos estruturantes, que só pararam agora, no atual governo. Durante os anos Lula, a “região-problema” passou a trazer soluções. Antes, no segundo mês da seca já havia invasões de feiras e supermercados pela população.
Agora, estamos na pior seca do século e não houve qualquer saque, pois se criou uma rede de proteção social. Criou-se, por exemplo, o Programa de Aquisição de Alimentos, que agora está morrendo, estrangulado pelo governo federal. Com a crise, a mudança de visão e de trato político, a região está sofrendo o impacto.
CC: Enquanto a Câmara analisa a denúncia contra Michel Temer, o Senado aprovou na terça-feira 11 a reforma trabalhista que altera profundamente a CLT. O senhor acha que era o momento adequado de puxar um debate de um tema tão sensível para a população?
RC: A imagem que tenho é a de um grupo de hienas diante de uma presa com certa fragilidade. Se Aproveita-se e retira-se tudo. É isso que está acontecendo. A falta de crescimento não se dá por causa da legislação trabalhista, isso é mais um engodo.
A economia continua a patinar, porque não há capital disponível, uma vez que o Estado se encolheu. Não há nenhuma experiência no mundo de saída da crise, de uma recessão, sem investimentos públicos.
CC: Que país que está sendo gestado por esse conjunto de iniciativas do governo Temer, que vão do congelamento dos gastos públicos por 20 anos às excludentes reformas trabalhista e da Previdência?
RC: Um país bem menor, menos competitivo, que não consegue se impor perante outros parceiros mundiais. Isso está sendo feito em função da grave omissão do Congresso. Também há essa confusão que paralisa o Brasil e faz com que as atenções da população estejam voltadas para um caso novelesco, ao mesmo tempo que se muda a legislação trabalhista.
A questão não era a retomada o crescimento. Na verdade, aproveitou-se de um momento de fragilidade, de falta de organização dos trabalhadores, para retirar direitos.
CC: Muitos parlamentares nordestinos, mesmo alguns que integram a base de Temer, votaram contra a reforma trabalhista. Por que esse tema é mais sensível para o Nordeste?
RC: Há 40 anos, a leitura política do Nordeste revelava oligarquias que controlavam os estados com profundo viés conservador. Isso foi mudando paulatinamente. O Nordeste, apesar de sua multiplicidade partidária e governamental, tem gerado uma cobrança maior sobre seus representantes. Engana-se quem diz que no Nordeste não se sabe votar. Pelo contrário, lá o voto é muito mais qualificado.
CC: O nordestino não tolera o representante que trai seus interesses?
RC: Ele tem tido mais capacidade de acompanhar. Isso é bom para a democracia. Acredito que isso ficará cada vez mais explícito. Com a transposição do São Francisco, houve no Semiárido o mais duro golpe contra o coronelismo e as oligarquias, pois a água sempre foi o principal instrumento de dominação.
Da Carta Capital