Senado aprova marco legal do saneamento e abre caminho para privatização da água.
Além de facilitar a privatização de estatais, PL 4.162/2019 prorroga o prazo para o fim dos lixões. Obrigação de licitações e metas de desempenho para contratos tenderão a prejudicar as empresas públicas do setor.
Publicado 24/06/2020 - 21h54
São Paulo – O Senado aprovou nesta quarta-feira (24) o novo marco legal do saneamento básico com um placar de 65 votos favoráveis e 13 contrários. O Projeto de Lei (PL) 4.162/2019 facilita a privatização da água por meio da concessão de serviços de estatais do setor para empresas que visam ao lucro. E prorroga o prazo para o fim dos lixões. Além disso, a obrigação de realizar licitações e as metas de desempenho para contratos tenderão a prejudicar as empresas públicas. O PL segue agora para sanção do presidente Jair Bolsonaro para entrar em vigor.
O relator da matéria, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), rejeitou todas as emendas de mérito propostas para que o texto não voltasse à Câmara para uma nova apreciação.
O senador Rogério Carvalho (SE), líder do PT no Senado – única legenda casa que votou em bloco contra o PL –, propôs que a matéria fosse mais debatida após o enfrentamento da pandemia da covid-19. “Sou a favor de um marco regulatório do saneamento. E não me oponho ao investimento privado na área, que é, inclusive, já utilizado. Mas este debate deveria ocorrer mais à frente, no pós-pandemia, quando se apresentaria o cenário claro de que marco regulatório vamos precisar para garantir que teremos a universalização do saneamento básico”, defendeu o senador.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) considerou o projeto precipitado diante da pandemia. “É uma proposta que precisava de um amplo debate com a sociedade e o parlamento, principalmente na Comissão de Meio Ambiente e na Comissão de Infraestrutura”, ponderou.
O novo marco extingue o modelo atual de contrato entre os municípios e as empresas estaduais de água e esgoto. Além disso, o texto aprovado estabelece prioridade no recebimento de auxílio federal para os municípios que efetuarem concessão ou privatização dos seus serviços. O item torna claro estímulo à privatização do setor.
Os contratos deverão estabelecer metas de universalização a serem cumpridas até o fim de 2033: cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto. Essas porcentagens são calculadas sobre a população da área atendida.
Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Sinis) de 2018, 83,6% da população brasileira tem acesso a serviços de abastecimento de água e 53,2% usam serviços de esgotamento sanitário. De acordo com as entidades, a privatização do serviço pode impedir o acesso aos serviços por uma parte da população.
Fim da universalização
O atual marco legal do saneamento básico, estabelecido por lei de 2007, traz diversos princípios fundamentais como universalidade, integralidade, controle social e utilização de tecnologias apropriadas. Também estabelece funções de gestão para os serviços públicos, como planejamento municipal, estadual e nacional e a regulação dos serviços, que devem ser usados com normas e padrões.
Com a nova lei aprovada hoje, que irá a sanção do presidente Jair Bolsonaro, umas das mudanças mais significativas é a retirada da autonomia dos estados e municípios do processo de contratação das empresas que distribuirão água para as populações e cuidarão dos resíduos sólidos.
Passa a ser obrigatória a abertura de licitação, o que implementa a competição do acesso aos contratos e a inserção massiva de empresas privadas, em detrimento das empresas estatais nos estados, que hoje atendem 70% da população.
“O PT acredita que é o investimento público, associado ao investimento privado, que pode fazer a mudança, a transformação para garantir saneamento para toda a população”, disse o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho, ao declarar o voto da bancada. “E o novo projeto não assegura e não preserva o patrimônio das empresas estatais de saneamento”, complementou o líder, ao votar contra a proposta.
“Querem acabar com as empresas públicas de tratamento de água e esgoto no Brasil. Privatizar não é solução! Água é um direito da população, não é mercadoria”, enfatizou o senador Jean Paul Prates.
Experiências negativas
Segundo estudo do Instituto Transnacional da Holanda (TNI), entre 2000 e 2017, cerca de 1.600 municípios de 58 países tiveram que reestatizar serviços públicos básico, entre eles o de fornecimento de água e ampliação de redes de esgoto.
Foram ao menos 835 remunicipalizações e 49 nacionalizações, sendo que mais de 80% ocorreram a partir de 2009. As principais razões para a reestatização foram a colocação do interesse do lucro acima do interesse das comunidades, o não cumprimento dos contratos, das metas de investimentos, da expansão e da universalização, principalmente das áreas periféricas e mais carentes e os aumentos abusivos de tarifas.
O estudo detalha experiências de diversas cidades que recorreram a privatizações de seus sistemas de água e saneamento nas últimas décadas, mas decidiram voltar atrás – a lista inclui metrópoles como Atlanta, Berlim, Paris, Budapeste, Buenos Aires e La Paz.
A aprovação do marco do saneamento provocou reação imediata nas redes sociais. Caso da jornalista Hildegard Angel. “Sobreviverá quem puder pagar”, escreveu.
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