Pressão contra Fundeb quer derrubar garantia de recursos a escolas que mais precisam
Mecanismo que acaba com a barganha política em torno de verbas enfrenta jogo de interesses no Senado.
"CAQ ajuda o bom gestor. É claro que o mal gestor não será ajudado, justamente o contrário, o mecanismo ajuda a ter o controle", defende a CampanhaSão Paulo – Aumenta a pressão no Senado contra a implementação do mecanismo de Custo Aluno-Qualidade (CAQ). Considerado um dos avanços aprovados pela Câmara, em julho, na proposta que incluiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) na Constituição Federal, tornando-o permanente, o CAQ divide parte dos senadores, e até prefeitos e governadores, além de setores educacionais.
O CAQ é uma métrica de investimentos que adota parâmetros como a variedade e quantidade mínimas de recursos materiais e humanos indispensáveis ao ensino-aprendizagem. É um sistema que vai fazer com que os recursos cheguem às escolas que mais precisam. E também, aumentar o investimento mínimo por aluno, que deve subir dos atuais R$ 3.700 para R$ 5.700, gradativamente, até 2026.
O principal argumento contra o CAQ é que o mecanismo levaria a um processo de judicialização que, na prática, impediria os gestores escolares de efetivar políticas públicas. A ONG Todos pela Educação, uma das organizações que encabeçam a oposição ao CAQ, fala ainda na falta de consideração do parâmetro sobre as diversidades regionais e conjunturais dos estabelecimentos de ensino.
Jogo de interesses
A proposta que tornou o Fundeb permanente, por exemplo, garantiu que houvesse um aumento da complementação do governo federal a esse fundo, passando de 10% para 23% de aporte da União. Mas para que esse repasse chegue de fato às escolas é preciso que o CAQ dê os parâmetros. “O que o mecanismo de fato garante é que esse recurso saía de sua origem no Fundeb e vá diretamente para a escola, para que a gente consiga garantir todos esses insumos de qualidade”, explica a coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda.
A campanha é a responsável pelo desenvolvimento do CAQ e contesta as críticas de indiferença às realidades regionais. De acordo com a organização, o mecanismo certifica um parâmetro mas, ao final, na implementação, cada rede fará sua precificação. O intuito é fazer com que a legislação brasileira de educação, considerada uma das mais avançadas no mundo, seja de fato posta em prática.
Em entrevista ao jornalista Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, Andressa avalia que a resistência ao custo aluno-qualidade é por parte daqueles que usam a educação para fazer “barganha” política, uma vez que o CAQ transforma programas de governo em política de estado. “Ele acaba com esse processo de barganha e tem muitas pessoas que não são interessadas em que isso acabe”, afirma.
Outro fato que também estaria pesando seria o mecanismo de fortalecer o papel público na educação, avalia a coordenadora-geral. “Existem algumas instituições que defendem um olhar mais privatista”, ressalta. Andressa também chama de “equívoco e de não compreensão” o “terrorismo” que a ONG Todos pela Educação faz com a crítica de judicialização. Segundo ela, ao contrário, o mecanismo daria segurança aos gestores das escolas.
Governo que asfixia a educação
“Ele serve para um modelo de gestão melhor dessa educação. Ele ajuda o bom gestor. É claro que o mau gestor não será ajudado, justamente o contrário, o mecanismo ajuda a ter o controle. Então se o mau gestor quiser desviar esse recurso isso vai ser ainda mais rastreável pelo próprio CAQ”, defende.
O entendimento de que hoje, sem o custo aluno-qualidade, o orçamento é desviado para outras áreas, ou até para a educação, também é destacado pelo Ministério Público e os tribunais de contas, que apoiam a inclusão do mecanismo. Apesar da pressão, as entidades ainda esperam que o CAQ seja mantido no texto, já que qualquer mudança no Senado atrasaria ainda mais a discussão.
O primeiro revés após a aprovação do Fundeb permanente entre os deputados, no entanto, já veio. O governo Bolsonaro propôs um corte de 18% no orçamento da educação no próximo ano. O que, conforme apontou reportagem da RBA, poderá neutralizar os ganhos do novo Fundeb. “Temos falado muito que o Ministério da Educação faz o papel de fantoche. Quem muitas vezes dita a agenda para a educação é o Ministério da Economia, sob Paulo Guedes, que retrai os recursos, asfixiando qualquer possibilidade de política pública com qualidade para a área”, contesta a coordenadora-geral da Campanha Todos pela Educação.
Governo Bolsonaro reduz investimento mínimo por aluno. Deputado aponta ‘golpe contra o Fundeb’.
São Paulo – Por meio de uma portaria interministerial, o governo de Jair Bolsonaro alterou os parâmetros operacionais do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para o exercício de 2020. A medida, publicada nesta quinta-feira (26) em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), diminui o valor mínimo nacional a ser investido por aluno anualmente.
De acordo com o texto, esse valor será reduzido de R$ 3.643,16 para R$ 3.349,59, menos 8%. Por lei, o montante deveria atingir nível suficiente para garantir um padrão mínimo de qualidade definido nacionalmente.
A portaria, no entanto, não só reduz como já entra em vigência “com efeitos financeiros a contar de 1º de janeiro de 2020”. Os acertos decorrentes das alterações “devem ser realizados pelo Banco do Brasil, no prazo de 30 dias”, aponta a publicação, assinada pelos ministros da Educação, Milton Ribeiro, e da Economia, Paulo Guedes.
Ataque ao novo Fundeb
A redução do valor mínimo ocorre também no momento em que o governo está prestes a passar a contribuir com uma porcentagem maior, de 12%, já a partir do próximo ano. O aumento na participação foi concretizado com a aprovação do Novo Fundeb. Uma votação histórica que o tornou permanente e constitucional apesar da oposição do governo Bolsonaro. Até 2026, a União deverá ser responsável por 23% da complementação.
A coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, usou as redes sociais para contestar a diminuição dos recursos deste ano. “Quando a gente aprova um Fundeb permanente que exige mais recursos e o governo perde, o que ele faz? Canetada”, ironizou.
Portaria de Bolsonaro é ‘criminosa’
Construído com a participação da sociedade por meio de debates e mobilização de entidades, como a Campanha Nacional, o Fundeb é considerado o principal instrumento para impedir desigualdades e garantir uma educação pública de qualidade no país.
De acordo com Andressa, o governo deveria atuar para aumentar o valor no investimento por aluno, assim como o repasse do financiamento da educação para “responder aos efeitos da crise” no setor provocados pela pandemia do novo coronavírus. Mas, para 2021, o Ministério da Educação deverá ter um corte de R$ 1,4 bilhão em seu orçamento.
Em nota técnica, publicada em 1º de outubro, a Coalizão Direitos Valem Mais, calcula que o orçamento deveria ser de R$ 181,4 bilhões, no total. Ou seja, R$ 36,8 bilhões a mais do que é previsto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do próximo ano, com R$ 144,5 bilhões. “Países que melhor responderam à crise de covid-19 na educação AUMENTARAM o financiamento e é recomendação da Relatora da ONU, Koumbou Boly Barry”, destacou a coordenadora geral pelo Twitter.
O deputado federal José Guimarães (PT-CE) chamou a portaria de “criminosa”. O parlamentar protocolou nesta sexta (29) um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 490/2020 para sustar os efeitos da medida. “Um golpe na educação e na articulação que culminou na constitucionalização do fundo. Não vamos aceitar”, escreveu em suas redes.
Redação: Clara Assunção. Edição: Glauco Faria
Portaria de Bolsonaro enfraquece Fundeb, e professores terão reajuste zero em 2021
Pela primeira vez, professores das escolas públicas ficarão sem reajuste salarial, aponta a CNTE. Governo federal se aproveita da regulamentação, e de portarias, para restringir investimentos previstos no novo Fundeb.
Nem mesmo o percentual extra, de 2%, garantido pelo novo Fundeb será capaz de suprir as perdas em decorrência da redução do custo aluno neste ano, em 8%, calcula a CNTE.São Paulo – A Portaria interministerial 3, do governo Bolsonaro, que altera a gestão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e diminui o valor mínimo nacional a ser investido por aluno anualmente, também anulou os ganhos salariais dos professores da educação pública para 2021. A previsão era de que no próximo ano, o piso salarial do magistério teria uma atualização na ordem de 5,9%. Com a redução no investimento mínimo, a categoria terá agora reajuste zero.
A medida foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) na última quinta-feira (26). Conforme reportou a RBA, a portaria altera os parâmetros operacionais do Fundeb já para o exercício de 2020. O texto reduz de R$ 3.643,16 para R$ 3.349,59 – menos 8% – o investimento anual por aluno.
Ao diminuir o valor anual, na prática, o governo Bolsonaro também atinge a soma de recursos do Fundeb. O mais importante fundo para o financiamento da educação básica inclui também a remuneração dos profissionais da educação. Com menos investimentos, a valorização dos professores fica prejudicada.
Desvalorização do magistério
De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), essa será “a primeira vez na história do Fundeb que os docentes da educação básica pública ficarão sem acréscimos em seus vencimentos, historicamente defasados sobretudo em comparação a outras profissões ou mesmo a docentes de outros países”, contesta a direção da entidade em nota.
Em setembro, relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) identificou que a remuneração dos professores brasileiros é bem mais baixa do que a média dos 38 países membros da organização e outros oito convidados, como o Brasil. Um docente do ensino médio chega a ganhar por ano o que seria equivalente a U$S 25.966. Enquanto a média praticada pelos membros da OCDE é de U$S 49.778.
Um dos principais atores no processo de aprendizagem, senão o principal, o professor no Brasil também tem uma remuneração baixa quando comparada à própria realidade do país. Dados do movimento Todos pela Educação apontam que a categoria recebe o equivalente a 71,7% da média de profissionais com o mesmo nível de formação.
Colapso para 2021
Todos os entes públicos que receberam a complementação da União neste ano terão que devolver parte dos recursos. Ao transferir a responsabilidade sobre a complementação, a portaria de Bolsonaro deu o prazo de 30 dias para que os acertos decorrentes das alterações sejam realizados. No Maranhão, por exemplo, o secretário de Esporte e Lazer (Sedel), Rogério Rodrigues Lima, mais conhecido como Rogério Cafeteira, calcula que, neste mês, o estado deixará de receber R$ 13 milhões. “Ano que vem as coisas tendem a piorar”, ressaltou pelo Twitter.
A CNTE também afirma que o “prejuízo será inevitável” em 2021, e “poderá gerar colapso em várias redes de ensino”.
Desde julho, quando o novo Fundeb foi aprovado pela Câmara e, posteriormente em agosto, pelo Senado, a expectativa era de aumento nos repasses. A despeito da oposição do governo Bolsonaro, os parlamentares conseguiram garantir uma contribuição maior da União. Que, já no próximo ano, passaria dos atuais 10%, para 12%. Até atingir 23% em 2026. Mas, nem mesmo esse percentual extra, de dois pontos percentuais, será capaz de suprir as perdas em decorrência da redução do custo aluno neste ano, em 8%, adverte a CNTE.
Governo enfraquece Fundeb
Na nota, a Confederação acrescenta que “soma-se a esse cenário trágico a redução das receitas tributárias”. Estados e municípios perderam em arrecadação devido à pandemia do novo coronavírus. Hoje, parte deles depende da complementação federal para garantir recursos às escolas.
Para a coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, uma das entidades que se mobilizou pela aprovação do novo Fundeb, o que a gestão Bolsonaro faz é uma “tentativa de recuperar as perdas” que sofreu.
“O governo federal tentou, durante a tramitação da PEC do Fundeb, reduzir o patamar de investimentos da União que vinha sendo proposto. E perdeu todas as suas empreitadas, diante de uma forte atuação da sociedade civil vinculada a direitos, como movimentos sociais. E agora, na regulamentação e nesse tipo de portaria, ele tenta recuperar esse jogo, fazendo esse tipo de corte, que baliza o financiamento para 2021”, avalia.
“Isso é menor que tudo que representa o avanço do Fundeb, é claro. Até porque ele fica e os governos passam. Mas é um impacto grande para 2021. Que é um ano que precisa ainda mais de investimentos do que já estava previsto e que agora sofre mais um corte”, alerta a coordenadora geral.
Pandemia exige investimentos
No próximo ano, o Ministério da Educação também deverá ter um corte de R$ 1,4 bilhão no orçamento da União. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) encaminhado pelo governo ao Congresso destina R$ 144,5 bilhões ao setor. Quando, de acordo com a Coalizão Direitos Valem Mais, o repasse total deveria ser de R$ 181,4 bilhões. Andressa explica que é preciso mais recursos para responder à crise que a covid-19 provocou na educação.
Ao ir na contramão do que é necessário em termos de financiamento, o governo Bolsonaro coloca em risco “a garantia de que escolas públicas terão infraestrutura adequada para a volta presencial, ou condições tecnológicas – computadores, tablets, internet – para inclusão na educação remota”. “Um momento de pandemia exige mais investimentos”, resume a coordenadora geral da Campanha Nacional.
A portaria de Bolsonaro, contudo, já é alvo de dois projetos de decreto legislativo (PDL) – 490/2020 e 489/2020, de autoria de deputados do PT, que visam sustar os efeitos da medida.
Corrida pela regulamentação
A cerca de quatro semanas do final de 2020, o Congresso Nacional ainda precisa aprovar um projeto de lei que regulamente o novo Fundeb. Do contrário, o governo já sinalizou que decretará uma medida provisória para regulamentar o fundo. Com uma agenda de retrocessos, a iniciativa coloca em risco avanços como a utilização de 70% dos recursos do Fundeb para o pagamento de profissionais da educação, o próprio aumento na complementação, ou ainda a inclusão da lei do piso salarial do magistério e a previsão de progressão de carreira e de equiparação salarial.
Entidades, como a Campanha Nacional, também são contrários a previsão de repasse de recursos a entidades privadas, como vem pressionando o governo Bolsonaro. Elas defendem ainda a inclusão do Custo-Aluno Qualidade (CAQ) e criticam a possibilidade de bonificação das escolas por mérito e a precarização dos professores.
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