Na quinta-feira (23), a Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) de São Paulo também se movimentou e chegou a criar uma força-tarefa para investigar o caso, nomeando quatro promotores que irão atuar nas apurações. Os documentos chegaram ao MP do estado por meio da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid.
A operadora de saúde entrou na mira da CPI depois de o colegiado receber um dossiê de ex-médicos da operadora que evocam as suspeitas de atuação irregular no estudo da medicação. O plano de saúde nega a acusação e alega ser vítima de “armação”.
Segundo o documento, a omissão dos óbitos na pesquisa teria se dado para vender a ideia de suposta eficácia da cloroquina nesse tipo de tratamento. A denúncia diz também que não havia consentimento dos próprios pacientes sobre o uso do remédio e que a empresa teria pressionado médicos a receitarem a droga, que não é recomendada por cientistas e autoridades de saúde para esse tipo de caso.
“Acredito que esse escândalo deveria até abrir margem pra ampliação das investigações de violações bioéticas no Brasil durante a pandemia, afinal, há chances de isso não ter sido só uma situação isolada”, comenta a médica Fernanda Americano Freitas Silva, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares.
Ela menciona o intenso assédio da indústria farmacêutica sobre instituições e profissionais de saúde para que se receite o “kit covid”. Diferentes químicos além da cloroquina são associados a esse coquetel, como a ivermectina e a azitromicina, também sem comprovação de eficácia científica em casos de coronavírus.
“Quem é da área da saúde com certeza já ouviu falar de um colega que foi coagido a prescrever ‘kit covid’. Já ouvi varias historias ainda no começo da pandemia, hoje um pouco menos, mas no início muito. Isso se dava principalmente nos centros particulares, mas, infelizmente, no SUS também, a depender do protocolo municipal”, relata Fernanda.
O chamado “kit covid” virou referência no discurso de negacionistas ao longo da pandemia por supostamente prevenir ou tratar casos da doença, o que é invalidado por estudos científicos de referência.
O estudo da Prevent Senior, que foi parar no rol de casos analisados pela CPI, chegou a ser citado pelo clã do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2020, sob o discurso de que nenhum paciente com covid entre aqueles que tomaram a droga teria morrido. O dossiê aponta, no entanto, que nove pessoas utilizadas como cobaia vieram a falecer ao longo do estudo. A empresa mencionou apenas duas mortes na pesquisa.
Adolescentes
Outra questão que ganhou destaque no cenário recente da pandemia no Brasil é a vacinação de adolescentes de 12 a 17 anos. Na última quarta-feira (22), o Ministério da Saúde (MS) recuou e voltou a indicar a imunização do segmento. A orientação veio após um vaivém que gerou uma onda de críticas e reclamações.
No último dia 16 de setembro, o ministro Marcelo Queiroga pediu que estados e municípios vacinassem apenas adolescentes com comorbidades, deficiência permanente ou em situação de privação de liberdade.
Entidades como o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e a Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbin) pediram uma reconsideração da decisão, alegando que não havia justificativa plausível para se interromper a imunização do restante dos adolescentes, já que a morte da adolescente que havia sido vacinada – e que foi mencionada no contexto da decisão tomada pelo ministério – não teve relação com o imunizante.
Em geral, a sociedade científica considera que os benefícios da vacina contra a covid superam os possíveis efeitos colaterais do imunizante, que, na maior parte dos casos, gera um quadro reações leves.
A inconstância da pasta diante da questão gerou cobranças também de secretários de Saúde dos estados, que, na quinta-feira (23), pediram uma postura mais clara e enfática diante do tema. A avaliação é de que a oscilação na conduta do ministério confunde a população, alimenta medos em relação à vacinação e atrasa o ritmo da campanha de imunização.
Panorama
A preocupação dos especialistas com o ritmo da vacinação se dá também porque, apesar de ter hoje uma situação mais branda do que o que já se verificou em outros momentos da crise sanitária, o Brasil tem visto o índice de transmissão subir. É o que mostram os dados do Imperial College de Londres, que acompanha o comportamento da taxa em diversas partes do mundo.
Em dados publicados na última terça-feira (21), o instituto apontou que o país tem agora uma taxa de transmissão – o chamado “RT” – em 1,03, a maior desde junho. Considerando a margem de erro do levantamento, os especialistas consideram que o índice está entre 0,91 e 1,22.
Pragmaticamente, o dado significa que, ao se atingir o “1,00”, uma pessoa contaminada pela covid transmite o vírus para mais uma. A situação é considerada sob controle quando o índice está abaixo dessa marca.
Além da elevação da taxa de transmissão, o Brasil acumula hoje mais de 593 mil mortos pela covid e registra um número de mais de 21,3 milhões de pessoas já infectadas pelo novo coronavírus. A contabilização é do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), que aponta a ocorrência de 699 óbitos entre quinta (23) e sexta (24), além de 19.438 novos casos de contaminação notificados no intervalo.
À parte disso, o Brasil tem menos da metade da população com esquema vacinal da covid completo. São 40,21% dos brasileiros imunizados, segundo dados atualizados nesta sexta-feira (24).
“O avanço gradual da vacinação nos últimos meses pode ter impedido uma explosão de casos ligados à variante delta, apesar de estarmos ainda muito distantes do patamar desejado da vacinação. Quarenta por cento não é o que a gente deseja”, pontua Fernanda Silva.
“A gente ainda tem um caminho longo, porém me parece que, com a vacinação em massa progredindo, quem sabe em breve a gente possa ter um respiro. Mas claro que, neste meio do caminho, situações ocorrem, variantes aparecem, então, em locais com transmissão comunitária como no Brasil é muito importante que se mantenham as medidas de prevenção da covid”.
Edição: Marina Duarte de Souza
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